27 de abril de 2010

Jello Biafra

Eric Reed Boucher (Boulder, 17 de junho de 1958), mais conhecido pelo nome artístico Jello Biafra, é um cantor e compositor de punk e activista político americano, ex-vocalista da banda Dead Kennedys. Jello (ou melhor, Jell-O) é uma marca de sobremesa com gelatina com pouquíssimos nutrientes, comum nos Estados Unidos. Biafra é um país que se tornou independente da Nigéria em 1967, mas que acabou em 1970 graças à repressão nigeriana originando uma das maiores crises de fome da história de África. Assim, a ironia de Jello Biafra já vinha directamente no seu nome artístico: era a mistura de uma merda sem nutrientes com uma das maiores crises de fome...

Principal compositor e vocalista dos DeadKennedys, destacou-se como personalidade política ao idealizar a produtora alternativa "Alternative Tentacles", responsável pelo lançamento do single "California Über Alles" em 1979. No mesmo ano, lançou a sua candidatura a Mayor de São Francisco, com propostas como forçar empresários a usar roupas de palhaço dentro do perímetro urbano ou banir o uso de veículos dentro da cidade, Biafra ganhou 3,5% dos votos, ficando em quarto lugar entre dez candidatos. O seu slogan de campanha era "There is always room for Jello", traduzindo, "Há sempre um lugar para Jello".
Para não cometer injustiças com Jello Biafra, é preciso dizer que ele sempre foi um activista e esteve presente nos protestos antiglobalização (esteve em Seattle em 1999) e contra a ALCA (no Quebec, em 2001), proferiu palestras sobre cyberactivismo e criticou intensamente o "Parents Music Resource Center" (PMRC), um dos mais poderosos órgãos de censura dos Estados Unidos e considerado o principal responsável pelo fim dos Dead Kennedys.
O PMRC é um comité formado em 1984-1985 por várias mulheres de congressistas (inclusivamente Tipper Gore, a mulher do ex-vice de Bill Clinton, Al Gore) com o objectivo de alertar os pais para a música que os filhos ouviam. O PMRC foi um dos instrumentos mais duros dos neoconservadores sobre a indústria musical, promovendo uma política de censura ao rock, música que, segundo essas distintas senhoras, encorajava e glorificava a violência, o consumo de drogas, o suicídio e a actividade criminosa, entre outras "atrocidades".
Como é obvio, o PMRC possuía uma forma de pressão muito directa sobre o Senado americano (afinal,as suas fundadoras partilhavam a cama com muitos senadores) e conseguiu com que a indústria fonográfica, a RIAA ("Records Industry Association of America"), lançasse uma etiqueta sobre os álbuns que o PMRC considerasse "inadequados". Subserviente às pressões políticas, a indústria musical simplesmente acatou as demandas do PMRC e as editoras independentes é que sentiram o maior golpe, tendo de pagar pesadas multas legais.
O caso dos Dead Kennedys foi o mais emblemático. A polícia invadiu a casa dos membros do grupo (inclusive do próprio Biafra) e levou-os a julgamento graças à capa do álbum "Frankenchrist" (1985). Sem recursos para conseguir arcar com os gastos do processo, os Dead Kennedys separam-se em Dezembro de 1986. Desde então, Biafra vem atacando o PMRC e a indústria musical norte-americana sem dó, inclusivamente estando presente em talk-shows e programas de rádio para criticar a posição do comité.
Depois do fim dos Dead Kennedys, Biafra foi alvo de um desgastante e embaraçoso processo movido pelos seus ex-colegas de banda, East Bay Ray, Klaus Flouride e D.H. Peligro, que o forçaram a diminuir o ritmo da sua produção musical. O caso, quase tão surreal como o confisco dos posters de Frankenchrist, em 1986, abre precedentes para que qualquer artista processe uma editora quando achar que os seus discos velhos deixaram de ser divulgados. É basicamente nisso que se sustenta a argumentação dos três músicos que, ainda por cima, ressuscitaram os Dead Kennedys para realizar constrangedoras tournées.
“Estou profundamente enojado com os ex-membros dos DK. Não consigo acreditar que eles tenham virado as costas e urinado em cima de tudo aquilo em que a banda sempre se apoiou, revelando-se pessoas tão podres e gananciosas. Eles processaram-me por não agir como uma editora de rock corporativo e o que desencadeou tudo isto foi a minha recusa em deixar que ‘Holiday in Cambodia’ fosse usada num anúncio da Levi’s. Para mim (ter feito isso), seria a maior facada nas costas das pessoas que sempre apoiaram a nossa música e o conceito que está por trás dela durante todos estes anos. Tem sido muito difícil preservar o meu orgulho pela música e separar isso do facto de eles se terem tornado traidores imundos”, declarou Biafra ao fanzine Juice Mag, em 2001.
Apesar do desgaste com a questão dos tribunais envolvendo os antigos ex-membros do Dead Kennedys, Jello tem estado envolvido mais do que nunca na realização de palestras pela América a favor das liberdades civis. Biafra também esteve na lista dos presidenciáveis do Partido Verde nas últimas eleições, tendo o jornalista Mummia Abu-Jammal como possível vice-presidente, mesmo estando este no corredor da morte.
No ano passado, Jello fez algumas participações em espectáculos de Ice-T/Body Count, para cantar “Cop Killer”, e Henry Rollins – na tournée de beneficência ao West Memphis Three (três jovens condenados à morte sob alegações absurdas) -, cantando o clássico do Black Flag “Jealous Again”. Biafra foi convidado ainda por Fat Mike, dos NOFX, para participar na Punk Voter, entidade que visa incentivar os jovens americanos a votar. O mesmo Fat Mike, que é dono do selo Fat Wreck, lançou a colectânea Rock Against Bush, que incluia várias bandas e artistas que discordavam da administração de George W. Bush. Biafra cedeu a canção “That’s Progress”, gravada com o D.O.A. em 1989.
Em 2003, Jello participou na música “Allah Save Queens”, da banda Carpet Bombers for Peace, imitando a voz de Bush filho. A faixa aparece na colectânea de beneficência Salt in the Wound. Envolvido na política até ao pescoço e a preparar o lançamento de um album com o Melvins, Biafra descarta qualquer possibilidade de regresso dos Dead Kennedys: “Eles (Ray, Flouride e Peligro) levaram-me a tribunal durante quase seis anos e recusaram qualquer tentativa de reconciliação. Acho que dificilmente estarei decepcionando os fãs ao não participar nesse massacre nostálgico”.
Jello actualmente vive perto de São Francisco numa casa sem muitos luxos. Tem gravadores, muito papel e uma enorme biblioteca carregada de livros de política, o seu assunto favorito. Até porque, para ele, política e música não são lá muito diferentes. Desde que chegou à fama com a sua antiga banda, os Dead Kennedys, as suas letras, a fúria e uma inconfundível ironia estão ao serviço da resistência ao silencioso totalitarismo que, segundo ele, faz dos EUA o triunfo do fascismo.

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