6 de maio de 2010

Cidade de Deus

Cinco anos depois da sua publicação, um dos romances brasileiros mais importantes da década de 90 chega aos cinemas para contar como o crime organizado se instalou nas favelas do Rio.

Lançado em 1997, Cidade de Deus, de Paulo Lins, foi adaptado ao cinema por Fernando Meirelles. Mas Fernando define Cidade de Deus como um "filme de equipa" - uma obra que não teria sido a mesma sem a contribuição de toda a equipa, principalmente da co-directora Katia Lund, do argumentista Bráulio Mantovani, do director de fotografia César Charlone, do produtor Daniel Rezende e do director de arte Tulé Peake. Sem mencionar o elenco, formado por centenas de jovens actores, quase todos nos seus primeiros papéis no cinema. A pré-estreia mundial aconteceu em Maio de 2002, no Festival de Cannes, onde o filme foi considerado a grande descoberta do evento: "É uma sensação maravilhosa entrar numa sala de para assistir a um filme de que pouco se sabe e perceber que se está diante de uma obra-prima", escreveu Andrew Pulver, do jornal inglês The Guardian.

O principal personagem do filme Cidade de Deus não é uma pessoa. O verdadeiro protagonista é o lugar. Cidade de Deus é uma favela que surgiu nos anos 60 e que se tornou num dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro, no começo dos anos 80.
Para contar a história deste lugar, o filme narra a vida de diversos personagens, todos vistos sob o ponto de vista do narrador, Buscapé. Este, um menino pobre, negro, muito sensível e bastante amedrontado com a ideia de se tornar um bandido, mas também, suficientemente inteligente para se resignar com os trabalhos de escravo que eram impostos aos negros. Buscapé cresceu num ambiente bastante violento. Apesar de sentir que todas as probabilidades estavam contra ele, descobre que pode ver a vida com outros olhos, os de um artista. Acidentalmente, torna-se fotógrafo profissional, que foi a sua libertação. Buscapé não é o verdadeiro protagonista do filme, não é o único que faz a história acontecer, não é o único que determina os factos principais. Não é apenas a sua vida está ligada aos acontecimentos da história, mas, é através da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente, num mundo aparentemente condenado a uma violência infinita.


A história do filme acontece em três tempos

Final dos anos 60
Buscapé é mais um menino de 11 anos da Cidade de Deus, um subúrbio do Rio de Janeiro. Um dia ele viu um fotógrafo a trabalhar e decidiu que era isso que queria fazer na sua vida. Dadinho é um garoto da mesma idade que se muda para a Cidade de Deus e sonha ser o bandido mais perigoso do Rio de Janeiro. Admira Cabeleira e a sua “turma” e vai ser Cabeleira que lhe dá a oportunidade de matar pela primeira vez. Dadinho cresce a matar e também cumpre o seu sonho, tornando-se um pequeno líder de um gang com grandes ambições. Torna-se traficante e recebe um novo apelido: Zé Pequeno.

Anos 70
Voltamos a encontrar os dois protagonistas da história. Buscapé estuda, trabalha ocasionalmente e vive na corda bamba que divide a malandragem da vida de otário. Dadinho já tem várias mortes nas costas e é um pequeno líder disposto a crescer muito. Percebe então que melhor que os assaltos, só o negócio do tráfico de cocaína e maconha. À sua maneira, resolve organizar esse negócio, que o faz crescer rapidamente.

Início dos anos 80
Buscapé, depois de tentar alguns assaltos frustrados, finalmente consegue arranjar uma câmara e torna-se fotógrafo, o seu sonho de infância. Dadinho também realizou o seu: aos 18 anos virou Zé Pequeno, o mais temido e respeitado traficante do Rio de Janeiro. É a lei em Cidade de Deus. Os seus amigos de infância são a sua corte. Meninos de 9 a 14 anos são o seu exército. Ninguém se atreve a contestá-lo, até Mané Galinha ver a namorada violentada e decidir vingar-se. A guerra rebenta na Cidade de Deus. Registar essa guerra em fotografias é a oportunidade da vida de Buscapé, que acabou de conseguir a sua primeira máquina profissional.

Mas o filme não é apenas a história destes dois personagens. O verdadeiro protagonista é o lugar: Cidade de Deus. São dezenas de histórias que se cruzam e se entrelaçam, revelando um universo. Histórias de amor, humor e luta. Histórias reais.

Cidade de Deus, retrato poderoso da vida nas favelas brasileiras, vai mais além e é uma autêntica crónica mundial do que é viver nas margens. “Eu acreditava”, conta Fernando Meirelles, que conhecia o apartheid social que existe no Brasil até ler o livro. “Percebi que nós, da classe média, não somos capazes de enxergar o que está na nossa cara. Não temos a dimensão do abismo que separa estes dois países: o Brasil e o Brasil. Decidi fazer um filme que fosse fiel ao partido do livro: filmado de dentro para fora da favela. Um filme sem actores profissionais, mas com garotos que vivem aquela realidade e que nos podem trazer a sensação do que é viver à margem. Mas Cidade de Deus não fala apenas de uma questão brasileira mas sim de uma questão global. Das sociedades que se desenvolvem na periferia do mundo civilizado.”

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