Nascido em Cocoa Beach, cidade da Flórida varrida por ondas que não ultrapassavam a altura de um menino de dez anos, o surfista teve uma infância conturbada. Vítima de trocadilhos no colégio, o americano ouvia dos colegas que era um "atrasado" (o som da pronúncia do seu nome, em inglês, pode parecer "Kelly está atrasado", ou Kelly is later). Sempre com uma entoação maior no Kelly. Afinal, que homem tem esse nome?
Kelly começou a surfar com cinco anos uma prancha de esferovite e gostou da idéia. Na sua auto-biografia, Pipe Dreams , conta que as constantes lutas entre seu pai, alcoólico, e a mãe acabaram por ajudar a sua carreira. "O mar era o meu refúgio", lembra. Chegou a fazer parte da equipa de baseboll da cidade, mas era nas ondas que se destacava. Não demorou até começar a competir, a atrair patrocinadores, a ganhar títulos e a iniciar uma escalada que culminaria com a estreia no circuito mundial de surf, no final da década de 80.
Aos 20 anos, conquistou o primeiro título mundial - o surf, naquele ano, estreava o formato WCT, com os 44 melhores surfistas garantidos em todas as etapas. Afectado por lesões, não conseguiu o bi em 1993, mas, no ano seguinte, iniciou uma seqüência de cinco títulos, interrompida por uma reforma precoce, aos 26 anos. Surfistas reconhecidos pelas suas habilidades, como Sunny Garcia e Rob Machado, esforçavam-se até ao limite, mas não conseguiam superar Slater.
Antes da fase de reforma, de 1998 a 2001, foi eleito um dos 50 homens mais bonitos pela revista People e participou numa temporada inteira da série televisiva Baywatch, que fez furor no início da década de 90. A curta carreira de actor em hollywood foi a responsável pela aproximação a Pamela Anderson, actriz conhecida pelo tamanho de seus seios e por povoar a imaginação de adolescentes por todo o mundo.
Num romance de idas e vindas, dividia a atenção de Pamela com o cantor Kid Rock. Como admite na sua biografia, a atriz foi o grande amor da sua vida. Mais tarde, Slater teve rápidos namoros com Gisele Bündchen, Bar Refaeli e Cameron Dias.
Porém, o facto é que um dos motivos apontados por Slater para a surpreendente pausa na sua carreira foi a instabilidade na relação com Pamela. Fora isso, o americano queria mais liberdade para conciliar a agitada vida social com o surf. Afinal, quem é bonito, namorou uma estrela da televisão e é o melhor do mundo num desporto com grande popularidade não consegue viver só de sol, ondas e cama.
Neste período, aparecia numa ou outra etapa e ganhava um ou outro título, mas teve mais tempo para jogar golfe, o seu desporto favorito fora do surf, e fazer tournés com a sua banda, os The Surfers (juntamente com Rob Machado e Peter King). Sim, além de surfista e celebridade, Slater, guitarrista e vocalista, também gravou um CD e fez espectáculos de abertura em concertos de amigos como Ben Harper e Jack Jonnson.
Dinheiro não era, e ainda não é, problema para Kelly. Além dos 2.078.255 USD que já acumulou na carreira em prémios no circuito profissional de surf, o americano é patrocinado pela Quiksilver. Fotogénico, com uma vida limpa e imagem ligada à saúde, propagandas e campanhas ajudaram-no a aumentar ainda mais a sua conta bancária.
Em 2002, Slater ensaiou o regresso ao circuito a tempo inteiro, mas, com resultados modestos, desistiu nas etapas finais e viu o havaiano Andy Irons ser campeão. No ano seguinte, mostrou que ainda estava com o surf afinado, mas perdeu, de forma dramática, o título para Irons na última bateria do último evento da temporada, em Pipeline, no Hawaii.
No ano seguinte, um terceiro lugar e o crescimento da rivalidade com o havaiano, então tricampeão. "Bater Irons é umas das minhas motivações para permanecer no circuito", disse na época. A derrota deixou uma ponta de dúvida sobre a continuidade de Slater no WCT, reforçada por declarações de que a sua performance determinaria o futuro.
Mas o surf de Slater fez um favor ao desporto. O americano começou 2005 de forma arrasadora e colocou mais um registro na história do surf. Na final da etapa do Tahiti, tirou duas notas 10 em tubos profundos, chegando à pontuação máxima num heat, conseguindo aquilo que nenhum outro surfista havia feito antes. Para comemorar, desceu uma onda com uma lata de cerveja na mão, abriu-a com os dentes no meio do tubo e ainda tirou uma nota acima de nove.
O sétimo título, sete anos após o último conquistado, foi conquistado no Brasil, na praia de Imbituba. Sem esconder a emoção, Slater confessou que tirou um peso das costas ao provar que ainda era o melhor surfista e tinha condições para permanecer por mais tempo na luta pelo topo do WCT.
Mais leve, dominou o circuito de 2006, foi superado no ano seguinte pelo australiano Mick Fanning, mas conquistou o eneacampeonato em 2008, com mais uma temporada arrasadora e um novo recorde: o de surfista mais velho a ser campeão, superando o australiano Mark Ochiluppo. Durante todo este tempo olhou para a reforma como um passo natural, que será dado sem aviso prévio, quando os resultados e a motivação desaparecerem.
Dizer quem é o melhor em alguma actividade suscita sempre polémica, mas no caso do surf não há discussão sobre quem merece esse estatuto, pelo menos em relação às competições. Os números e feitos falam por si próprios. Nove títulos mundiais conquistados num intervalo de 17 anos, sendo que, durante quatro anos, Slater simplesmente resolveu se dedicar a outros assuntos. Quarenta vitórias em etapas do circuito, recorde absoluto. No campenato mais importante do circuito, o Pipeline Masters disputado no Hawaii, foram seis vitórias, outro recorde.
Ao contrário da maioria dos surfistas, que costumam dar-se bem num determinado tipo de onda, Slater dominou campeonatos disputados em ondas mexidas, pequenas, médias, grandes e até enormes. Em 2002, ganhou o Eddie Aikau, a mais tradicional competição havaiana de ondas grandes, que só é realizada quando o mar ultrapassa os 20 pés (cerca de sete metros).
Nesta época, Kelly era questionado por não obter resultados significativos em competições de ondas grandes. Laird Hamilton, adepto do freesurf e especialista no town-in, era frequentemente apontado como superior a Kelly por enfrentar ondas de 30 pés (cerca de 10 metros). Porém, com a vitória, Kelly mostrou que, mesmo sem se dedicar exclusivamente às ondas gigantes, poderia estar entre os melhores também nestas condições.
Entre os seus adversários, unanimidade. Enfrentar o americano é certeza de que é preciso surfar mais do que noutros heats para vencer. "Dá um frio na barriga, afinal é o Kelly Slater. Quando entro contra ele, sei que vou ter que surfar muito, arriscar mais nas manobras, mas eu só tenho que aprender com ele em cada heat", disse Heitor Alves, brasileiro do WCT.
Pode-se falar de favorecimento dos juízes, tentar diminuir os seus feitos ou alegar que o seu lado celebridade atrai mais atenção do que qualquer outro surfista do mundo. Mas o facto é que, enquanto Slater estiver num heat, o seu adversário precisará de notas acima da média para tentar, pelo menos, igualar a pontuação.
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